sábado, 23 de junho de 2012


«É verdade que os islamistas se apropriaram das revoltas, mas nas ruas da Tunísia ou do Egipto continuam também os democratas e as mulheres.

Há uma resistência da sociedade laica. Na Tunísia, [Habib] Bourguiba [presidente derrubado em 1987 por Ben Ali] deu às mulheres o estatuto mais liberal de todo o mundo árabe. Agora, elas não querem perder esse estatuto. E os islamistas não querem que elas o mantenham. O problema crucial do islamismo é a sexualidade. O medo visceral do homem islamista é que alguém veja a sua mulher ou toque nela. Estão, decidem escondê-la. E há mulheres que aceitam isso, o que é completamente incompreensível.

Nas manifestações estão mulheres laicas e religiosas.
Sim. Ao mesmo tempo, a mulher actual, moderna, quer participar na vida e tem consciência política. Em Marrocos, há mulheres que usam véu e que trabalham como as outras. É uma questão de grau, às vezes trata-se de uma reacção contra o Ocidente, que vê a mulher como um objecto, passando essa ideia através do cinema e da televisão. Há mulheres que, mesmo não sendo fanáticas, reagem a isso. Não têm vontade de se mostrar assim. Há uma parte de moralidade no islamismo.»

Tahar Ben Jelloun (Marrocos, 1944)

quinta-feira, 21 de junho de 2012

da distância que se corre


movimento subtil das pestanas a acompanharem o lento fechar dos olhos. o cansaço de um corpo que já não resiste ao vento. à ventania. as portadas das janelas a baterem. a chuva a cair mansa, quase não se ouve. e as janelas a baterem nas portadas a abafar o som do chão molhado, a ser molhado. uma lágrima presa por dentro que desce até ao estômago e vai enchendo e não me deixa ter fome. estou cheia. estou cheia por dentro. preciso de um casaco novo e queria que uma avó me tricotasse um casaco. já não tenho avós e vou pensando no tempo e nas senhoras que talvez me quisessem tricotar um casaco. as ruas são quadros repetidos, é como visitar sempre o mesmo museu. são sempre os mesmos quadros, as mesmas pedras, muros, caixotes. mais valia que fossem ruas impressionistas. mas não são. não questiono a força das minhas pernas apesar das frágeis veias quererem romper a pele. como se tudo quisesse sair de dentro. não questiono a força das minhas pernas porque sei que um dia desato a correr e elas não me deixarão que ninguém me apanhe até pararem num precipício que ecoe e que deixe sair o que tem de sair, até dizer: regresso.

terça-feira, 5 de junho de 2012

constantly


do estado febril



estou em silêncio porque não posso gritar por ti. se a voz sair vai doer, tal como o coração. esse indiscreto órgão que até as mãos me faz tremer. como a febre que não baixa e os pesadelos que não desaparecem. os sonhos de fugas para locais longínquos e recônditos de terras que não conheço. com cores quentes. para sentir falta do familiar. sim. sou capaz de ir até à fronteira, sim. que me dissessem duas palavras apenas e eu iria. não estou a conseguir esconder tudo dentro de gavetas. pelo que vou desistir ou de guardar ou de as abrir. guarda para mim um bilhete de ida e eu vou até à fronteira. sim.

sexta-feira, 1 de junho de 2012


não me lembrava já do que era ter insónias. as paredes brancas são eternas. o escuro também, mesmo de olhos abertos. e o calor, que fica de uma parede à outra. sonho com umas mãos que ainda não conheço bem. não sonho com nada. sonho com coisa nenhuma. coisas umas em cima das outras. empilhadas. ninguém passa na rua, não são horas de passar na rua. não são horas de alguém dizer para me ir embora. olha, vai-te embora, obrigadinha e vai-te embora. Depois de meses de encalço de beleza. Olha, agora vais-te embora. Não vales nada, percebes? Isso não é para ninguém. Não são horas de ninguém passar na rua.