quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

do dual



o meu coração explodiu. um cometa aterrou no meu coração e desfez parte dele. está quase em pedaços. e vai minando tudo o resto. o meu ventre está frágil, por um fio. uma golpe de sangue me sai pela boca. e um vento frio pelos ossos. sou um corpo em ruína. como sempre o mundo não pára e apetece pedir que pare. que me deixe sair. como aquela música que tocou na rádio no outro dia. e mordo o volante. porque conduzo para me perder. para me perder. estou constantemente a perder-me. preciso de conhecer melhor esta cidade. estas cidades. preciso de me conhecer melhor. perder outras coisas mas não perder-me. não perder-me a mim. como me perdi. em pedaços. espalhada por todo o lado. em ruínas. uma catástrofe. porque me arruínas. me arruínas. me destróis. porque o meu coração me destrói. porque dói. dóis. dois. tanto.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

do vestido



cada vez mais fundo. acho que aprendi a mentir. acho que aprendi a mentir a mim própria. ou já me mentia? ou já me afundava? saberei quem sou ou quem penso que sou? há tantas pontas soltas no meu vestido. não me quero vestir mais. não me quero vestir. afinal a terra não me engoliu. ainda não. que ninguém me agarre. que ninguém me agarre. i just want to be alone. um grito preso no peito como um pássaro enjaulado. às voltas às voltas às voltas. como se não tivesse escolha. se eu desaparecer, não me procurem. por um bocadinho, não me procurem.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

da quebra



a chuva é metáfora feroz. copo meio cheio meio vazio. qual é a hora certa, a hora de ir embora? a tempestade anuncia o outono e a quebra. o cabelo enfraquece em solidariedade com as folhas. o vento acorda-nos. parece que já não sinto nada. há um vazio que um dia explodirá de estar tão cheio esse vazio. tão cheio de culpa. e continuo a pensar que dar é receber. dar é receber. e é. e a minha entrega é inteira, sempre o foi. em tudo. mas o amor, ai o amor. tanto que ouvi dizer. que já ouvi dizer e tão pouco que sei. de tanto que sinto. venho explodir para a escrita. quero tirar isto de dentro. copo meio cheio meio vazio consoante as gotas de chuva. e tenho medo de quê? temos medo de quê? life is so short. a vida é um sopro. um sopro; é dança. danço contigo ainda todos os dias. quero dançar contigo o resto da vida mas quero dançar no céu na terra no mar. quero voar. sinto que se ficar aqui vou ser engolida pela terra. não quero ser engolida pela terra. quero deixar-me levar mesmo que doa. antes a dor que o desconhecido. ao menos isto é real. isto eu sei o que é. é a causa. e daqui surgirá o efeito. e recompensa. seja recompensa boa ou má. o meu corpo é um poço cada vez mais fundo. e afundo e afogo-me quando deixo de ver o fundo do fundo do poço que é o meu corpo que tanto espaço tem em que tanto cabe mas em que já não consigo estar. é a lição mais difícil esta: a espera. os meses vão voar. e eu vou voar com os meses. querido outono, sê gentil.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

da brusquidão



os dias passam bruscos. as palavras saem bruscas. o coração é brusco. sempre pensei que com os anos aprendêssemos a comandar o nosso coração mas ainda me devem faltar mais alguns. sinto que estou quase, quase. as memórias são uma nuvem. os dias dentro dessa nuvem são tão pequenos. já passou o tempo de contar os anos pelos dedos das minhas mãos. a poesia desfaz-se na língua. proclamo a vida todos os segundos e o coração faz-se veloz. será correr demais? correrei demais? já não sinto as pernas tão cansadas. o meu corpo prepara-se para a viagem. já não sou alice, ja não sou a mesma alice. há quem saiba melhor do que eu. e o olhar. o olhar. o olhar. tão vivo. o olhar sempre vivo que às vezes só o quero cerrar. deixar-me um pouco. recolher-me. concha. corpo-concha. e então regressar à caminhada. que poderei saber mais sobre mim. que poderei saber mais sobre o caminho ou sobre as linhas ou sobre os pontos. montanhas. boca. fala. mudez. gaguez. que o medo é só no princípio. e depois: a viagem.

sábado, 24 de maio de 2014

do guardar



alguém escreveu num papel e afixou na parede da sala: o amor é o coração bater muito depressa. e o meu coração bate sempre muito e muito depressa. regressei às raízes, viajei rumo ao douro, onde o coração amplia, ganha espaço, suaviza. ali o amor é feito de ar. não há serra como esta. nem carinho como este. no retorno, a(s) possibilidade(s). infinitas possibilidades - ficar ou partir.  fui relembrada da efemeridade da vida. uma estrela ficou mais brilhante por uma alma que partiu cedo demais. tanto para aprender ainda. tantos abraços para dar e o desejo de que nenhum seja adiado. e há tanto para fazer. sempre tanto por fazer. fecho os olhos e vejo paisagem. vejo a efemeridade das paisagens e dos rostos. quantos rostos sei ainda desenhar perfeitos por debaixo das pálpebras? quantos contornos falharei? quantas memórias conseguirei guardar? quantas vezes baterá ainda o meu coração, que bate sempre tão depressa, por dor ou amor. guardarei todos os sorrisos. incluindo o da c. como o mais precioso tesouro.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

taça



entre a leveza e o peso. 
entre o vazio e o cheio. 
entre o sono e o olhar.
entre a porta e a janela. 
entre o sorriso e o abraço. 
entre o dentro e o fora. 
entra. 
por dentro.

terça-feira, 4 de março de 2014

das quedas



pedaços de escrita pelas paredes. pedaços perdidos pelas camadas densas e sombrias de florestas. as corujas pouco se deixam ouvir agora. a neblina ainda não levantou. a serra continua densa e coberta por nevoeiro. as árvores ainda se agitam e já não parecem saber dançar. um coração ansioso por dentro delas. vão perdendo membros, troncos, como os pedaços de escrita. os pensamentos são demasiado rápidos. continua ansiedade. ao ponto do sangue se esquecer do seu percurso e não descer até à ponta dos dedos. até essa dormência acordar o susto. até esse susto se transformar em amor. não sei ainda o que guarda o interior da minha pele, no ventre, no colo. o sangue não desce. e aqueles pedaços de escrita vão evaporando e confundem-se com as árvores. agitadas pelo vento. os dias no calendário atropelam-se. estamos em março. já estamos em março. apenas um dia no calendário está vazio. apenas um dia e é amanhã e é já hoje e já foi. e o coração continua e vou agitando as asas mais devagar e fechando-as e guardando-as. vou guardar as minhas asas por alguns dias ou meses ou talvez anos. as desilusões são também sustos que assaltam o coração. nem sempre o corpo tem força. nem sempre a voz se quer fazer ouvir. a voz quebra. não se faz ouvir para não estremecer. mas os joelhos estão mais fortes e com os dias podemos sempre aprender. um a seguir ao outro. é só deixar um dia continuar a seguir ao outro. mesmo que se atropelem. mesmo que esses dias continuem a deixar cair algumas das árvores. é condição da vida existir a morte. existir a queda. a minha cabeça roda e gira e roda e não consigo alcançar o fundo. demasiado profundo. mas continuo a cair. outra vez alice. uma e outra vez.