quarta-feira, 2 de agosto de 2017

do piano



quando sentimos que a vida acaba mas o coração ainda bate, há sempre um batimento que nos leva a recomeçar. depois da sensação de ser engolida pela terra, há sempre uma mudança no peso, a leveza dentro da caixa pesada. percebo que as notas do piano me arrastam para um canto da terra. e que já não sou a pianista de mim e que há algo mais que me toca. como aquela flor que encerra as pétalas pelo frio e as reabre com o toque do sol. e no caminho há quente e frio, há inverno e primavera, há noite e dia. não quero manter as pétalas fechadas durante demasiado tempo e não sei se aguarde os raios de sol ou se teme as raízes. antes a terra engolisse também a mágoa e já não tivesse mágoa a que agarrar. para ser mais generosa, e agradecer. 

até o melhor pianista do mundo se engana.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

das duas versões



1. quase pronta para despejar tudo. para vomitar as palavras. deixar que o coração, finalmente, saia pela boca. aqui estou eu: cíclica. cansada de mim. frágil nas mãos e veloz no peito. e as tonturas regressam. pudesse eu dizer tudo. pudesse eu.

2. quase pronta para agarrar. para bordar as palavras. deixar que o coração, finalmente, vá ao lugar. aqui estou eu: cíclica. cansada do tempo. frágil nas palavras e veloz no amor. e as tonturas não são nada. talvez um dia eu diga tudo. dir-te-ei. 


variação: estão as palavras mesmo gastas?

domingo, 17 de abril de 2016

do todo


«Ao pensar no imenso impacto que pequenos gestos podem causar, chega-se à conclusão de que cada pequeno acto é importante. Essa é a relação de interdependência: a consciência de que o todo depende de um único indivíduo e que cada indivíduo depende do todo para existir».

Nazaré Fernandes, laureada do Prémio Norte-Sul em 2001
Maio 2010, Le Monde Diplomatique - versão portuguesa.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

das magnólias


As magnólias já estão em flor. Duram tão pouco tempo, as magnólias. E na sua fragilidade decidem despertar quase sempre em dias de chuva e vento. Hoje falámos do tempo. Não da chuva, mas da velocidade. O tema é recorrente, surge tantas e tantas vezes. E depois pensei que também as palavras são velozes e é necessário fazê-las parar. Assim, registá-las. Deixá-las sair, mas não as deixar fugir. E vim para aqui. E é tudo muito simples. Estava no alto da montanha, nos penhascos, a ver os grifos voarem. E eu estava a vê-los de cima. E é belo, sim. Nós por cima dos pássaros. Dos grifos. Envergadura média de 2,45m. Dá vontade de ficar agarrada aos binóculos durante horas a vê-los planar. Posso só ficar ali, mais um bocadinho? Por que tão poucas vezes paramos para contemplar? Demoro o olhar. Em ti, nos pássaros, nos penhascos. Sabe a muito pouco. Prometi a mim mesma que pararia de falar do meu coração. Tem rasgos. Abrem-se buracos. Palpitações. E poderia ser tão diferente, tudo tão mais calmo, pueril. Li na capa de uma revista, na montra do jornal, na rua pedonal: "porque é que as pessoas são más?" Era uma actriz que sei estar a sofrer com um cancro, não sei mais. E senti-me comovida e próxima. É exactamente isso que me pergunto, quase todos os dias. Porquê, então? E as guerras pioram dia-a-dia. E as lágrimas já estão quase secas. Hoje faço um pouco mais do que fazia há uns meses atrás. O medo é diferente, quase inexistente. Acredito agora que tudo rodeia muito mais em torno da maldade, do ódio. Ó mundo: pára um pouco que eu quero sair. gosto tanto de ti. porque dóis? entretanto, sejamos firmes, tu e eu. Estarei em ti até ao fim. Peço-te apenas, por favor, com menos maldade, pode ser?

domingo, 12 de julho de 2015

do céu



As andorinhas também voam em dias de chuva.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

um, dois, três


ainda tenho nuvens nas pontas dos dedos das mãos. ainda frases que se repetem na minha cabeça. imagens caóticas. pesadelos. encontros e desencontros. equilibrismos. flores nos cabelos. mas o meu corpo é feito de estilhaços. inicio as batalhas. após tantos anos de um jogo de forças. ossos, articulações, veias, órgãos. um, dois, três. ressonâncias. máquinas. que eu sou uma máquina, dizem. e toda a máquina avaria. e: um, dois, três. não me vou deixar vencer e: um, dois, três. com os anos acumulam-se os pesos. tudo pesa. e o desafio é enlevecer. o amor vence. o amor vence. dou as mãos. encosto a cabeça. sorrio como quando há nove anos atrás. e as águias ainda resistem. olho para elas. não há caça que as extermine. não há, não pode haver. e eu estou aqui. ainda estou aqui. e respiro. e sinto a saliva e uma corrente de ar quente a circular por dentro. e o ardor que ainda aqui está. vivo. viva.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

quantas vezes já o mencionei?



Lição número 1, sobre a solidão: 
tudo reside no silêncio.
Lição número 2, sobre o medo: 
podes sempre espreitar por debaixo da cama.
Lição número 3, sobre o corpo: 
arde.
Lição número 4, sobre o amor: 
.
.
.

tudo é mutável. até as tuas mãos.



para já:
ardo e ardo e ardo e ardo
este ardor por baixo da barriga
do lado direito
quase na dobra da perna



e por dentro
a vida a querer surgir
a surgir vida




Lição Última:
Enquanto estiver viva, estou viva.
Quando a morte chegar, chegou.
No entretanto: ardes e ardes e ardes e aprendes a lidar com a dor.