quarta-feira, 24 de novembro de 2010

da proximidade


Entrei na livraria percorri as mesmas estantes percorridas no Domingo e um livro que desarrumei nesse dia continuava intacto sereno no mesmo sítio em que o deixei. saio para a rua e as gotas da chuva caiem sobre mim sem me tocarem. não tenho guarda-chuva. apenas um gorro feito à mão. Fico surpreendida com a velocidade do cair da chuva no chão e com o meu não-sentir. Magoei-me no nariz, segunda-feira. Mas de momento estou mais centrada nas dores dele. Do pequeno que continua na cama de um hospital. Uma borboleta luta contra o vidro de uma janela. Os meus olhos mudam de cor. Estão cinzentos agora. Por dentro, vesti-me de azul escuro. No meu quarto, está um barco-caixa que me vai salvar de ser engolida por esta noite. Adormecerei.

da imaginação

Depois de fechar a porta da rua pela quarta vez, após breves arrepios de frio.

- Mas quem é que anda a abrir a porta?

- Deve ser Allah, Professora.

Sorriso.

sábado, 20 de novembro de 2010

os olhos azuis


A pergunta era uma no meio de muitas, sobre cores desenhos dias e noites actividades preferidas camisolas e olhos países e. Uma das perguntas era: Quem, na sala onde tu estás, tem olhos azuis? Um dos meninos, de 8 anos, uns olhos castanhos escuros enormes responde: Eu tenho olhos azuis. Levei a ficha para casa e coloquei um certo na resposta.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

auto-censura


O medo nasce atrevidamente das minhas mãos alastrando pelos braços até me chegar à língua. os dedos prendem e castram as letras que verdadeiramente se queriam fazer ouvir. a língua presa, fazendo estalido contra o céu da boca na esperança de que alguém a solte. a auto-censura é a pedra que apetece atirar à própria cabeça. para dar um tempo, para contrariar o tempo, vou passar os próximos dias a trabalhar sobre o preto e o branco. sem deixar de sentir o sangue vermelho por dentro. sem esquecer as cores de dentro. mas mostrando o branco por fora. pintado de preto.

Emmenthal

Que o texto é um queijo esburacado. Que as palavras são nada. Que o humano reside no sorriso. Que o obrigada é enternecedor. Que a minha barriga é mais problemática que o meu coração. Que o meu corpo estremece descontroladamente durante breves segundos durante a tarde. Que não tenho medo. Que inspiro. Que salto para dentro das palavras e sou essas palavras e mastigo essas palavras e desejo essas palavras. >E que vou escrever, incontrolavelmente, até me doerem as mãos.

da mulher amada

Com a lentidão de quem se conhece há muito...

(...)

   Caminha.
desliza, resvala e não te detenhas nunca a meio da vertigem.

Maria Teresa Horta, Ana

do subtil

Hedda - Toma. Esta pistola já foi apontada a ti.
Lovborg - Devias ter disparado.
Hedda - Que seja belo.

José Maria Vieira Mendes, Hedda

terça-feira, 16 de novembro de 2010

a palavra inesperada


Sakineh Ashtiani, de 43 anos, não foi morta. Susana, de 23 anos, também continua viva. Em modo rewind. As lágrimas cristalizadas na face a ouvir a palavra "Abrigo". E o estômago embrulhado de ouvir palavras presunçosas e vazias mas ainda assim, irritantemente pertinentes. A inutilidade de olhar para ele, para o gesto,  para os olhos, ele que foge com as palavras mais do que foge com o olhar, que só quando não verbaliza é herói. Ele embrulhou-me o estômago. Eu penso na relevância de estar aqui. A escrever isto agora sobre tudo isto que agora penso. Ou finjo pensar. Descobri novos temas, descobri novos métodos de fuga. As minhas mãos brancas secas e gélidas cobertas de arranhões. Uma nódoa verde na minha perna direita, quase junto ao gémeo. A varanda e a vertigem da varanda e o vento. E a sala de aula com cadeiras e um quadro e um professor dentro com colegas muito maiores do que eu. E as cadeiras de veludo que balançam e prendem. E as palavras injustas e armadas. Queres falar sobre ti ou sobre aquilo que queres dizer?! Um alguém me arregala os olhos. Qual é o teu objectivo? Um outro alguém me arregala os olhos mas responde prontamente. Pensar. Só, assim. Pensar. Na sua mais pura ingenuidade, a palavra mais simples, mais desprovida. Pensar.

Agora, eu própria, 23, a desafiar as leis do meu mundo. A quebrar a gravidade. A ter dores de barriga. A não fugir. A confrontar. Agora aguentas-te que já não tens forças para segurar as palavras sozinha.

E tudo isto só para dizer que





é inútil ver
tão útil o




mundo.


terça-feira, 2 de novembro de 2010

Autoridades iranianas dão ordem para executar Ashtiani nas próximas horas

«Sakineh Ashtiani, de 43 anos e mãe de dois filhos, foi condenada originalmente em 2006 por adultério, tendo então sido submetida a 99 chicotadas. Dois anos mais tarde, um outro tribunal, durante a análise de um outro caso, sentenciou-a à lapidação, com a arguida a manter desde sempre a sua inocência.»
 
 
Por favor, não.