sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

do comboio

estava dois bancos à distância do meu. as calças curtas, com os ténis calçados sem meias, a camisa muito molhada e esfarrapada, o cabelo curto, preto, e a flauta no banco ao lado. passaram cinco estações até ele tocar. a flauta desafinada, as notas inventadas por instinto, a boca da flauta ao contrário, a curva da flauta nas mãos dele. e as notas desafinadas a desafinarem-me o coração. a senhora da frente a abanar a cabeça, a criança que não se cala a comentar cada estação, a ler todas as letras, como só uma criança sabe fazer depois de aprender a ler. e as notas desafinadas a habitarem aquele comboio como silêncio. música fora do batimento cardíaco. como se não houvesse sangue por dentro. as notas daquela flauta, duras, secas, como aqueles sapatos sem meias, a desafinarem-me o coração.

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